ZOOLOGIA DA MULHER
 

Scarlet Johanson, umas das mulheres mais bem esculpidas pela natureza

 

"Design perfeito
 

A mulher é o mais avançado dos animais: essa é a teoria do zoólogo que investigou como a evolução moldou, da cabeça aos pés, essa criatura fantástica
Por Marcos Nogueira

O inglês Desmond Morris trata as mulheres como animais. Isso não deve ser tomado por ofensa: ele é um zoólogo e estuda o primata Homo sapiens como mais uma espécie. A mais sofisticada das espécies, que fique claro - cujos indivíduos do sexo feminino são ainda superiores aos machos. Essa é a premissa de A Mulher Nua, livro mais recente do pesquisador. Nele, Morris examina o corpo feminino - literalmente da cabeça aos pés - para defender a tese de que a mulher é, em suas próprias palavras, "o mais extraordinário organismo existente no planeta".

 

O autor - famoso pelo best seller O Macaco Nu, em que fez uma análise zoológica do animal humano - atribui o sucesso de nossa espécie a um processo evolucionário chamado neotenia. Ou seja: a manutenção de características infantis na idade adulta. Diferentemente dos outros animais, não paramos de brincar quando crescemos. "Adultos, os homens dão nomes diferentes a essa brincadeira: chamam-na de arte ou pesquisa, música ou poesia", afirma Morris.

A neotenia se manifesta de formas diferentes no homem e na mulher. Enquanto ele é mais infantil no comportamento - conserva mais o elemento de risco da brincadeira -, ela incorpora mais características de criança ao corpo adulto. Assim, a fêmea seria anatomicamente mais evoluída que o macho.

 

A vantagem de um corpinho de criança é clara. A evolução programou o macho para defender a prole - e, no mundo primitivo, a mulher infantilizada também era protegida. Assim, ela preservou a voz aguda, o rosto imberbe, as formas curvilíneas. Mas a neotenia é só uma das artimanhas evolutivas que moldaram o corpo feminino: vire a página para explorar cada pedacinho da mulher nua.
 

CABELOS - Quanto mais finos os cabelos, mais femininos. Segundo Morris, a cabeleira delicada das mulheres é uma das reminiscências infantis que atraem os homens. Loiras têm os fios mais finos, seguidas pelas morenas e, por último, as ruivas. "Nesse sentido, as loiras são mais femininas", escreve o zoólogo, também responsável pelo negrito no verbo. Aí estaria a raiz da preferência masculina pelas platinadas - e do costume feminino de clarear os cabelos. A tintura não deixa os fios mais delgados, mas o efeito visual é o mesmo. E, no caso, parecer mais feminina já basta.
 

NARIZ - A infantilização do corpo também explica, segundo Morris, a ocorrência de narizes pequenos nas mulheres - posto que bebês têm apenas um botãozinho no meio da face. Mas ela não seria a única razão. De acordo com o autor, o nariz humano (o único protuberante entre os grandes primatas) funciona como um ar-condicionado que fornece umidade e retém o pó da atmosfera. Nos tempos primitivos, os machos caçadores precisavam de um "aparelho" mais potente - portanto maior - para ter fôlego em suas expedições na savana poeirenta. As fêmeas, que ficavam em casa, desenvolveram menos o nariz. É claro que as dimensões variam de acordo com a linhagem genética. No Ocidente, são raras as mulheres narigudas que estão confortáveis com esse atributo - isso explica a grande ocorrência de cirurgias de redução de nariz.
 

BOCHECHAS - A ausência de barba é um dos sinais mais visíveis da distinção de gênero entre humanos. Se a mulher nunca chega a ter um rosto peludo, é para manter a aparência de criança que precisa de proteção. "Simbolicamente, a bochecha é a parte mais suave de todo o corpo feminino", diz Desmond Morris. Segundo o autor, bochechas coradas remetem à idéia de virgindade. "A mulher que cora diante de um comentário de conotação sexual obviamente tem consciência de sua sexualidade, mas ainda preserva uma certa ignorância." Mulheres assim geralmente são jovens: eis por que a maquiagem facial muitas vezes carrega em tons rosados nas bochechas.

LÁBIOS - No reino animal, os lábios humanos são os únicos curvados para fora. "Se observarmos atentamente a boca de um chimpanzé ou de um gorila, logo veremos que a superfície macia e brilhante fica escondida", afirma Morris. Nossos beiços não são apenas infantis, são embrionários: eles têm a forma dos lábios de um feto de chimpanzé de 16 semanas. Essa característica se mostra bastante útil para sugar o leite dos seios também exclusivos da fêmea humana. Num homem adulto, os lábios se tornam um pouco mais esticados e finos; mas a mulher, até chegar à velhice, mantém lábios carnudos e macios, prontos para serem beijados. A conotação sexual da boca vem de outros lábios femininos, os lábios vaginais: a semelhança está na forma, na textura e na coloração. E todos os lábios da mulher agem em uníssono quando vem a excitação: ficam mais túrgidos, mais rubros e mais sensíveis. As mulheres não demoraram para perceber essa relação e usá-la em seu favor - o primeiro esboço de um batom vermelho surgiu já entre as prostitutas do antigo Egito.

 

PESCOÇO - O pescoço feminino é mais longo e delgado que o masculino - decorrência do tórax mais curto das mulheres e da compleição mais musculosa dos homens. De qualquer forma, pescoços esguios sempre foram interpretados como um sinal de feminilidade. Essa característica é levada a extremos em algumas sociedades tribais. As mulheres Padang, da Birmânia, esticam seus pescoços desde pequenas com aros de metal. São as chamadas mulheres-girafa, que na idade adulta chegam a ter 32 anéis, somando até 30 quilos, em pescoços que atingem inacreditáveis 40 cm de comprimento. Imagina-se que, se forem removidos os aros, um pescoço assim não conseguiria suportar o peso da cabeça. Até hoje, ninguém se arriscou a fazer isso.
 

MÃOS - Aqui se encontra uma das maiores diferenças anatômicas entre os sexos. Enquanto as mãos dos homens são fortes, as das mulheres ganham em flexibilidade. Isso se traduz em maior habilidade para manipular objetos pequenos. "As mãos masculinas, embora capazes de grande precisão se comparadas às mãos de polegares curtos de outras espécies, não podem competir com as mãos delicadas, ágeis e frágeis da fêmea humana", afirma Morris. Mais uma vez, a bifurcação evolutiva tem origem na antiga divisão de tarefas: enquanto os machos caçavam e lutavam com suas mãos musculosas, as fêmeas se dedicavam à coleta de alimentos e a trabalhos decorativos, tarefas que exigem habilidade dos dedos. Então, por que a maioria dos grandes pianistas são homens? Para Morris, a resposta é óbvia: o teclado do piano foi desenhado para mãos masculinas. "Num teclado ligeiramente menor, mais adequado ao tamanho da mão feminina, a flexibilidade dos dedos faria as mulheres pianistas suplantarem facilmente os homens." Resta saber por que os fabricantes de instrumentos musicais ainda não inventaram tal coisa.
 

SEIOS - Apesar de serem 2, os seios da mulher são únicos. Além de produzirem leite para a prole, despertam interesse erótico no homem. Isso não ocorre em nenhuma outra espécie - após o período da lactação, as tetas das fêmeas simplesmente desaparecem. Nas mulheres, não: as mamas até aumentam quando estão cheias de leite, mas continuam protuberantes mesmo quando não há nenhum bebê para alimentar. Na opinião de Morris, esses seios perenes são uma artimanha da evolução para estimular a procriação. Eles emulam os sinais sexuais emitidos pelas nádegas - algo oportuno para quem assumiu a postura ereta e é quase sempre vista de frente. "O par de falsas nádegas no peito permite continuar transmitindo o primitivo sinal sexual sem dar as costas ao interlocutor", diz o zoólogo. Não à toa, tanto os seios quanto as nádegas têm a forma de meia-esfera. Morris afirma ainda que essa função sexual dos seios pode ter prejudicado sua atribuição primária. "Os seios cresceram tanto em seu esforço para imitar as nádegas que ficou difícil para um bebê abocanhar um mamilo", diz.

 

CINTURA - A razão por que homens são atraídos por fêmeas de cintura fina é tão simples quanto cruel: depois do primeiro parto, essa parte do corpo se expande irremediavelmente. "Mesmo que ela consiga, com um regime alimentar rigoroso, recuperar o corpo esbelto que tinha antes da gravidez, a cintura nunca vai ser tão fina", afirma Morris. Segundo ele, depois de vários partos, a circunferência da cintura da mulher aumenta de 15 a 20 cm. Portanto, uma cintura de pilão dá ao homem a impressão de estar diante de uma fêmea que ainda não desempenhou sua função de reprodutora - o que, em tempos primitivos, significava quase o mesmo que uma mulher virgem.

QUADRIS - Quadris largos são uma das marcas mais características da silhueta feminina. O sinal biológico que eles transmitem, e que atrai os machos da espécie, é bastante claro: uma bacia ampla facilita a procriação. Mulheres de quadris grandes, então, são imediatamente relacionadas às noções de fecundidade e feminilidade.

 

PÊLOS PÚBICOS - Fora a cabeça e as axilas, a região genital é a única parte do corpo feminino a ter cabelo abundante. Em primeiro lugar, os pêlos púbicos são um sinal visual. "Numa época primitiva em que os humanos andavam nus, eles devem ter funcionado como um sinal de que a menina havia se tornado uma mulher adulta", afirma Desmond Morris. O nascimento desses pêlos coincide com o início da ovulação - quando a fêmea é biologicamente capaz de procriar. Segundo Morris, "para o macho pré-histórico, a ausência de pêlos púbicos nas meninas era um aviso de que elas ainda eram jovens demais". Esses cabelos têm também a função de atrair o homem pelo odor. Não faz muito sentido num ambiente em que as pessoas usam roupas e tomam banhos diários, mas o tufo de pêlos ajuda a reter os feromônios - substâncias que supostamente despertam a libido - secretados por glândulas da região genital. Há ainda outro motivo para a zona púbica ser cabeluda: os tufos atuam como amortecedor do atrito em atos sexuais, digamos, vigorosos.

GENITAIS - Comparada ao aparelho de nossos parentes mais próximos - os símios - a genitália da fêmea humana apresenta uma sensacional evolução: a capacidade de gerar prazer. Usemos como exemplo o coito entre 2 babuínos: o pênis entra e sai em média 6 vezes da vulva, numa performance que não costuma durar mais de 8 segundos. A macaca não tem tempo nem de pensar num orgasmo. Se a coisa é diferente na nossa espécie, isso não se deve apenas à extrema sensibilidade dos tecidos dos genitais femininos - algumas peculiaridades do pênis humano também ajudam. Macacos não conhecem o que chamamos de ereção: seus pênis são finos e sustentados por ossos. Já o aparato desossado dos homens fica pronto para o uso somente quando a excitação manda para lá um suprimento extra de sangue. Isso alonga o pênis, mas é o aumento do calibre que realmente faz a diferença. A pressão do pênis nas paredes internas da vagina provoca sensações de prazer e, à medida que a excitação cresce, crescem também os lábios vaginais e a sensibilidade de todo o aparelho genital. O clímax de tudo isso é o orgasmo. Bonito, não?

 

BUNDA - Dentre todos os animais, os humanos são os únicos dotados de bunda. Isso porque também somos os únicos mamíferos a andar sobre 2 patas o tempo todo - os fortes músculos glúteos são essenciais para que possamos adotar essa postura. Em especial nas mulheres, as nádegas exercem também um forte apelo sexual. A bunda feminina difere da masculina em 3 pontos essenciais: é maior, mais empinada e rebola. Não é preciso dizer o quanto essas qualidades agradam ao homem. Não se sabe ao certo por que, mas Morris levanta uma hipótese: como nossos ancestrais andavam de 4 e sempre copulavam por trás, os sinais sexuais eram naturalmente emitidos pelo traseiro da fêmea. Quando assumimos a postura ereta e desenvolvemos os músculos glúteos, as formas arredondadas das nádegas substituíram esses sinais primitivos. "As mulheres com grandes traseiros enviavam fortes sinais sexuais, e com isso as nádegas iam crescendo", diz o autor. Segundo ele, as mulheres passaram a ter superbundas, gigantes a ponto de atrapalhar a cópula - o que teria propiciado o nascimento do coito frontal e o surgimento dos seios como sinal sexual alternativo na frente do corpo feminino.

 

PERNAS - A atração dos homens por pernas femininas é tão grande que existem revistas especializadas em atender à demanda por esse tipo de fetiche. A principal razão disso é geométrica: ao olhar segmentos de pernas, um homem não consegue evitar imaginar o vértice, o ponto em que elas se encontram. "É quase como se, no recesso na mente do homem, o par de pernas funcionasse como uma flecha que indicasse a 'terra prometida'", afirma Desmond Morris. Pernas longas são particularmente queridas pelo imaginário masculino por serem um sinal de maturidade sexual: nas mulheres adultas os membros inferiores são, em comparação ao tronco, mais compridos que os das crianças.

 

PÉS - Como não precisavam percorrer grandes distâncias atrás de caça na pré-história, as mulheres acabaram dotadas de pés menores que os dos homens - mesmo em relação ao seu próprio corpo. Assim, pés pequenos passaram a ser vistos como símbolos de feminilidade. Esse é o motivo de mulheres de comportamento masculinizado serem chamadas de "sapatão" e é também uma fonte de constrangimento para meninas que nascem com pés grandes. Para terem pés considerados femininos, as mulheres têm desde sempre se submetido a torturas. A mutilação de garotas chinesas, que tinham seus pés enfaixados na infância para que parassem de crescer, é só um extremo. Os sapatos estreitos e de salto alto - a elevação do calcanhar faz o pé parecer mais curto - estão aí para provar.

 PARA SABER MAIS
A Mulher Nua - Um Estudo do Corpo Feminino, Desmond Morris, Globo, 2005 
Publicado na Edição 215 - 07/2005  da SUPERINTERESSANTE

 

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