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A CACA DA CACOGRAFIA
Millôr Fernandes
O trema foi abolido.
"Tremei, pais de família!" (como dizia Castro Alves).
Os donos do mundo, dos países, municípios, quintas e cercanias, formam a
Nomenklatura. Que manda no mundo. Generais pensam mandar no exército. Quem manda
é a Nomenklatura do exército. Ministérios pensam ministeriar, quem ministeria é
a Nomenklatura. Escritores, jornalistas e assemelhados pensam que escrevem o que
querem. Quem escreve é a Nomenklatura.
Não é à toa que Nomenklatura é palavra russa.Quer dizer, isso no pequeno período
comunista. Mas antes, lá mesmo, na Rússia, você já tinha lido Gogol. Está lá
todo o horror burocrático da Visita do Inspetor.
Penso e repenso. Pode ser que se me tenha escapado. Mas, pra implantar essa
estúrdia (!) hifeniano-desacentada reforma, houve um plebiscito? Alguém te
ouviu, grande escritor? Alguém te consultou, dedicado professor? Ou apenas os
velhinhos da Academia daqui (38, mais dois mortos em rodízio) resolveram isso
combinando com os 38 velhinhos (restantes) de lá?
É isso, não adianta chiar. Foram muitas viagens, conferências, convescotes,
assessores (palavra com muito esse, vamos economizar: aceçores), conselheiros/as
e olheiros durante as inúmeras viagens nesses quinze anos de estudos. Natural.
Portugal e derivados são países extremamente agradáveis pros nossos velhinhos. E
o Brasil é muitíssimo tropical pros galegos (vocês se lembram quando português
era chamado de galego? Os americanos, cheios de culpas ancestrais, ainda não
tinham inventado o politicamente correto).
Ué, vocês não sabiam pra que servem essas conferências – linguísticas, médicas,
geográficas, políticas? Pra marcar outras conferências. Ah, lá em cima citei
Castro Alves, o primeiro baiano marqueteiro do país. Bem-sucedido, seguro, poeta
emérito e recitador ainda mais, Castro sabia-se. Foi à noite, em frente ao
espelho, satisfeito, com razão, pela bela aparência, que ele pronunciou esta
frase (ajeitando a aba do chapéu): "Tremei, pais de família!". E não é que os
pais tremiam? O homem era phoda!
Já passei, em minha curta existência, por 37 reformas ortográficas e
orográficas. É, mudaram até o nome de algumas montanhas de minha intimidade,
embora isso não tivesse afetado o alpinismo social de muitos letristas, a
começar pelo fundador da liga principal, a de Letras.
Por natureza, não por ideologia, nunca respeitei nenhuma dessas convenções. Pois
convenções são muito convencionais. Só respeito coisas respeitáveis,
indubitáveis: tombo de escada, queda da bolsa, escorregão em cocô de cachorro.
Agora, se tem traço, se tem ponto, se tem pesponto, posponto, chapeuzinho, eu
faço como fazia o Aurélio, Aurélio vírgula ou Aurélio Cabeleira, nosso
companheiro na revista O Cruzeiro. Examinava nossos textos com a maior
sem-cerimônia – já era um sábio no ramo – e tascava vírgulas. Uma vez, pegando
uma lauda de um colega, na qual o dito não tinha posto nenhuma pontuação, e não
por rebeldia, por pura ignorância, Aurélio encheu de vírgulas tudo o que sobrou
da página, e decretou: "Taí, rapaz, agora pega essas vírgulas e salpica onde
couber".
Mas não se preocupem demais com essas besteiras. Isso não dura. Como nos
ensinava Rubem Braga, uns dos dez maiores escritores brasileiros do futuro,
quando tínhamos algum problema ao compor uma frase: "Não quebra a cabeça, não.
Dá uma voltinha". Agora, me ensina aqui, Rubem: como é que se dá uma voltinha
num hífen?
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GRAMATICAL
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