A fabricação e a distribuição de cigarro preenche todos os
requisitos do crime contra a saúde pública tipificado no art. 278 do Código
Penal Brasileiro. Todavia, o poder econômico dos fabricantes da droga veio
suplantando todos os obstáculos e até se tornar “a maior causa de mortes do
planeta”. E o Estado, de olho da arrecadação tributária, deu prioridade ao fator
econômico, permitido que algo tecnicamente criminoso se perpetuasse como
atividade legal. Hoje se vê que as aparentes vantagens econômicas são irrelevantes ante
o desastre desencadeado pelo vício. Entretanto, contra essa substância nociva
ainda não se fez o bastante.
O nosso Código Penal tipifica:
“Fabricar,
vender, expor à venda, ter em depósito
para vender ou, de qualquer forma, entregar a consumo coisa ou substância nociva
à saúde, ainda que não destinada à alimentação ou a fim medicinal: Pena -
detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.” (art. 278).
“Substância nociva” - Os vários atos constituintes do crime sintetizam-se na
expressão de qualquer forma, entregar a consumo. Para configurar o delito é
apenas necessário que a coisa entregue ao consumo seja coisa ou
substância
nociva à saúde.
Cabe aqui perguntar: é ou não o cigarro coisa nociva à saúde?
“Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), registrados pelo Ministério da
Saúde no ano passado” (1995), “dão conta de que o cigarro causa mais mortes
prematuras que a soma das mortes causadas por Aids, Coca, Heroína, álcool,
incêndios, acidentes de automóveis e suicídios” (Jornal Pampulha, 16 a 22/11/96,
pág. 7).
Esse extermínio assustador se explica no texto seguinte:
“O consumo de cigarro é responsável, ainda, por 90% dos casos de câncer de
pulmão, 30% de outros tipos de câncer, 85% das doenças pulmonares e 50% das
doenças cardiovasculares. Também aumenta em 40% a chance de contrair infecções
respiratórias por bactérias e vírus e em 800% o risco de derrame cerebral. Além
disso, duplica a velocidade do envelhecimento do organismo e predispõe à
impotência sexual masculina. Já o fumante passivo tem de 200% a 300% mais
chances de contrair câncer de pulmão que uma pessoa que não conviva com
fumantes.” (Almanaque Abril, 1998, pág. 639).
A Revista SUPERINTERESSANTE de janeiro de 91 explica a causa do desastre a que
se sujeitam os trabalhadores que são obrigados suportar um ambiente cheio de
fumaça de cigarro: "No exame de sangue de pessoas que trabalham numa sala com
dois fumantes" constata o pneumologista, "nós encontramos nicotina equivalente a
cinco cigarros". (Pág. 73).
Outra publicação completa: “Afinal, 96% da fumaça que vai para o ar não passam
pelo filtro e contêm substâncias muito mais tóxicas.” (Jornal de Casa, 4 a 10 de
maio de 1997, Caderno Especial, pág. 1).
E nem se diga que o cigarro não é alimento nem medicamento. Pois o tipo penal é
bem abrangente, prevendo que constitui o crime entregar a coisa a consumo,
“ainda que não destinada à alimentação ou a fim medicinal” (CP, art. 278).
Não há como negar o enquadramento dessa coisa extremamente nociva à saúde ao
art. 278 do Código Penal. Por que, então, não se pune o crime?
Como o interesse econômico sempre falou mais alto do que o respeito à vida e à
saúde, o descaso dos governantes, ávidos por tributos e sensíveis às pressões
dos poderosos grupos econômicos produtores da droga, mormente em países
subdesenvolvidos como o nosso, sempre tornou excessivamente lento o progresso
jurídico contra essa indústria assassina, enganando-se porém, como informa uma
revista: “... se o governo arrecadou no ano passado de impostos sobre o cigarro
Cz$70 bilhões, gastou o dobro, ou seja, 140 bilhões em tratamento das doenças
decorrentes do uso do fumo e também em pensão para os incapacitados." (Doutora,
Revista Médico Científica, abril, 88, pág. 35).
Poucos meses depois, da informação do prejuízo supracitado, veio Constituição
Brasileira prescrevendo: “A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco
de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” (art. 196). Isso pedia
urgência na proibição do cigarro no ambiente de trabalho, visando à redução do
risco de doenças, o que veio anos depois, com a lei 9.294/96, que preenche
também a previsão do art. 220: restrição à propaganda.
Reza a lei 9.294/96:
“Art. 2º É proibido o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou de
qualquer outro produto fumígero, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo
privado ou público, salvo em área destinada exclusivamente a esse fim,
devidamente isolada e com arejamento conveniente.
§ 1º Incluem-se nas disposições deste artigo as repartições públicas, os
hospitais e postos de saúde, as salas de aula, as bibliotecas, os
recintos de
trabalho coletivo e as salas de teatro e cinema.”
No entanto, não obstante a proibição legal, é lamentável que, até dentro de
órgão do Poder Judiciário e de faculdade de Direito, onde se deveria dar o
primeiro exemplo de respeito à lei, até o final do século víamos
o desmoralizante comportamento oposto:
as próprias autoridades violando essa norma de proteção à saúde pública.
O crime contra a saúde pública (fabricação, distribuição, etc.), contudo,
permanece impune.
Aproximadamente um quinto da população mundial se constitui de viciados. Parece
não ser número suficiente para justificar a impunidade de um crime. Entretanto,
os quatro quintos não têm defendido seu direito contra os poluidores do ar.
Espeque legal existe. O País carece é de ação em combate a esse crime que
cometem contra todos nós.
O mais intolerável desse crime não punido é que as suas vítimas (os viciados)
danificam, não somente a si próprios, como também aos seus filhos, seus colegas
de trabalho, tornando mais penosa insalubre sua jornada. Contudo, não obstante
provado que o gasto decorrente do vício é duas vezes maior do que o imposto
sobre ele arrecadado, ao invés de ampliar o combate, existe até intenção de
liberar outras drogas atualmente proibidas, como é o caso da maconha.
(Livre-se do Cigarro, 1999, págs. 87-94)