Encontrei esta estória em um recorde de jornal. Seu autor
pretende provar a existência do deus em que acredita, com base na existência do barbeiro. Achei
por bem fazer algumas considerações a respeito, em razão da diferença entre os
dois.
“Um homem foi cortar o cabelo e a
barba. Como sempre acontece, ele e o barbeiro ficaram conversando sobre várias
coisas, até que – por causa de uma notícia de jornal sobre meninos abandonados –
o barbeiro afirmou:
- Como o senhor pode ver, esta tragédia mostra que Deus não existe.
- Como?
- O senhor não lê jornais? Temos tanta gente sofrendo, crianças abandonadas,
crimes de todo tipo. Se Deus existisse, não haveria sofrimento.
O cliente ficou pensando, mas o corte estava quase no final, e resolveu não
prolongar a conversa. Voltaram a discutir temas mais amenos, o serviço foi
terminado, o cliente pagou e saiu.
Entretanto, a primeira coisa que viu foi um mendigo, com barba de muitos dias, e
longos cabelos desgrenhados. Imediatamente, voltou para a barbearia, e falou
para a pessoa que o atendera:
- Sabe de uma coisa? Os barbeiros não existem.
- Como não existem? – Insistiu o homem.
–
Porque se existissem, não haveria
pessoas com barba tão grande, e cabelo tão desgrenhado como o que acabo de ver
na esquina.
- Posso garantir que os barbeiros existem. Acontece que este homem nunca veio
até aqui.
- Exatamente! Então, para responder sua pergunta,
Deus também existe. O que passa é que as pessoas não vão até Ele. Se o
buscassem, seriam mais solidários, e não haveria tanta miséria.”
Depois dessa estorinha, cujo autor pretendeu ter provado que o seu deus existe, seguiu
uma estatística que aparece na internet:
“Se fosse possível reduzir a população do mundo inteiro em uma vila de cem
pessoas, mantendo a proporção do povo existente agora no mundo, tal vila seria
composta de:
57 asiáticos,
21 europeus,
14 americanos (Norte, Centro e Sul),
8 africanos;
52 seriam mulheres,
48 homens,
70 não brancos,
30 brancos,
89 seriam heterossexuais,
11 seriam homossexuais,
6 pessoas possuiriam 59% da riqueza do mundo,
8 viveriam em casas inabaláveis,
50 sofreriam de desnutrição,
1 teria computador,
1 (sim, apenas um) teria formação universitária.
Considere ainda: se você acordou hoje mais saudável que doente, você tem mais
sorte que um milhão de pessoas que não verão a próxima semana.
Se nunca
experimentou o perigo de uma batalha, a solidão de uma prisão, a agonia da
tortura, a dor da fome, você tem mais sorte que 500 milhões de habitante no
mundo.
Se você tem comida na geladeira, roupa no armário, um teto sobre sua cabeça, um
lugar para dormir, considere-se mais rico que 75% dos habitantes deste mundo.
Se tiver dinheiro no banco, na carteira ou um trocado em alguma parte,
considere-se entre os 9% das pessoas com a melhor qualidade de vida no mundo.”
Após a leitura dos dois textos, pensei o no que devemos levar em consideração ao
comparar o pobre barbeiro com o onipotente, onisciente, onipresente deus em que
crêem a imensa maioria da população:
Um barbeiro corta o cabelo daquele que o procura e paga por isso.
Mas o dito deus onipotente, justo, bom, etc., dele se disse:
“Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra
do Todo-Poderoso descansará. Direi do Senhor: Ele é o meu refúgio e a minha
fortaleza, o meu Deus, em quem confio. Porque ele te livra do laço do
passarinho, e da peste perniciosa. Ele te cobre com as suas penas, e debaixo das
suas asas encontras refúgio; a sua verdade é escudo e broquel. Não temerás os
terrores da noite, nem a seta que voe de dia, nem peste que anda na escuridão,
nem mortandade que assole ao meio-dia. Mil poderão cair ao teu lado, e dez mil à
tua direita; mas tu não serás atingido. Somente com os teus olhos contemplarás,
e verás a recompensa dos ímpios. Porquanto fizeste do Senhor o teu refúgio, e do
Altíssimo a tua habitação, nenhum mal te sucederá, nem praga alguma chegará à
tua tenda. Porque aos seus anjos dará ordem a teu respeito, para te guardarem em
todos os teus caminhos...” (Salmos, cap. 91).
No entanto,
a esmagadora maioria dos que busca esse ou outro deus, com
muita fé, estão entre os miseráveis sofredores, os paupérrimos. Não só pelo fato
de a maioria da população ser composta desses, mas porque entre os miseráveis e
os desprovidos de cultura há uma percentagem muito maior de religiosos do que
entre os ricos e os bem informados. Há religiosos cultos, e deve existir analfabetos não
religiosos, mas em muito menor fração.
Se os que buscassem o deus todo-poderoso fossem protegidos
como está escrito no salmo 91, e como teria dito o crente ao tal barbeiro da estória, com certeza a hipotética vila de 100 pessoas
teria mais de oitenta pessoas abastadas, felizes e sadias; porque, até o ano
2000, o número de ateus e não religiosos ainda não alcançou um bilhão dos seis bilhões de humanos,
conforme estatística constante do Almanaque Abril/2001.
Mais atrocidades se tem cometido em nome de
deus do que de
qualquer outra coisas; as religiões continuam sendo a maior causa de guerras, e
as catástrofes da natureza não escolhem entre bons e maus.
Levando-se em conta as limitações do barbeiro e a
onipotência, a onisciência, a onipresença e a perfeição do Deus que se crê
existir, nada em relação ao barbeiro pode provar a existência desse ser
sobrenatural. Considerando-se os fatos e situações existentes, fica mais
distante ainda a prova de que esse ou outro deus exista.