O que levou os judeus a guardarem o dia de sábado é algo de que
não temos certeza. Entretanto, na Bíblia encontramos duas razões excludentes,
que resultaram da elaboração apressada de parte do conjunto de livros mais
importante da história judaico-cristã. Uma hipótese mais plausível é que eles
devem ter comemorado esse dia primeiramente em homenagem a Saturno, e, como o dia
sagrado de Yavé só após se tornarem monoteístas.
Dadas as incongruências históricas e geográficas existentes nas histórias dos
patriarcas, eruditos biblistas chegaram à conclusão de que o conjunto de livros
do Gênesis até Juízes e parte de Reis e Crônicas resultaram de uma coleção de
fatos e lendas redigida por vários escribas no reino de Josias, no século sétimo
antes da era cristã. Do ajuntamento dos escritos desse vários escriba derivaram
várias contradições, entre elas a razão da guarda do sábado.
Um dos mandamentos contidos nas duas tábuas que dizem ter sido entregues a
Moisés escritas diretamente pelo dedo de Yavé, registrado em Êxodo, está
escrito:
"Lembra-te do dia do sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás, e farás
todo o teu trabalho; mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus. Nesse dia
não farás trabalho algum, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo,
nem a tua serva, nem o teu animal, nem o estrangeiro que está dentro das tuas
portas. Porque em seis dias fez o Senhor o céu e a terra, o mar e tudo o que
neles há, e ao sétimo dia descansou; por isso o Senhor abençoou o dia do sábado,
e o santificou" (Êxodo, 20: 8-11).
E o mesmo mandamento, repetido em Deuteronômio, traz a seguinte informação:
"Lembra-te de que foste servo na terra do Egito, e que o Senhor teu Deus te
tirou dali com mão forte e braço estendido; pelo que o Senhor teu Deus te
ordenou que guardasses o dia do sábado" (Deuteronômio, 5: 5).
No primeiro livro, está registrado que o deus Yavé descansou nesse dia e o
abençoou; pelo que seu povo deveria guardá-lo também. Já no segundo, a
informação é de que Yavé determinou que guardassem o dia de sábado pelo fato de
eles terem sido escravo no Egito, vindo a serem libertados pela mão poderosa de
Yavé. Como explicar isso? Qual das afirmações parece mais verossímil?
Como os livros foram escritos por vários escribas e depois ajuntados os textos,
há a possibilidade de o mandamento escrito em Êxodo ter sido elaborado pelo
mesmo escriba que relatou a criação em Gênesis, 1: 1- 31 e 2: 1-3. E, por outro
lado, quem relatou o mandamento em Deuteronômio pode ter sido o mesmo escriba
que escreveu a criação contada em Gênesis, 2: 4-23. Vale lembrar que essa
numeração não existia, vindo a ser elaborada já na era cristã, para facilitar as
referências bíblicas. Isso justifica um ter escrito o primeiro capítulo e um
pedacinho do segundo.
Nos dois relatos da criação há divergência na ordem em que teria Yavé feito
todas as coisas:
No primeiro, Yavé teria feito tudo numa seqüência: a terra, vegetais, os astros
celestes, aves e animais aquáticos, animais terrestres, sendo o homem e a mulher
a sua última criação.
No segundo relato, Yavé teria feito a terra, depois o homem, em seguida os
vegetais, todos os animais e aves, vindo a criar a mulher, da costela do homem,
por último.
No primeiro relato, a criação segue ao longo de uma semana, sendo o sétimo dia o
de descanso; e no segundo relato, só se fala "No dia em que o Senhor Deus fez a
terra e os céus". Pode ser o mesmo relator desse texto que tenha escrito o
mandamento em Deuteronômio, uma vez que ali a razão de guardar o sábado não
vinha dos dias da criação, mas dos dias do Êxodo.
Como se pode observar pela leitura da Bíblia, afora a afirmação de que Yavé
teria descansado no sétimo dia, abençoando-o, o sábado nunca mais foi
mencionado, senão no relato da peregrinação pelo deserto. Nunca o escritor
bíblico associou a guarda do sábado à vida de Noé, Sem, Abraão, Isaque, Jacó, ou
qualquer outro patriarca antes do Êxodo. É importante saber que as análises
arqueológicas descartam a ocorrência do êxodo, bem como não foi encontrado
qualquer registro em biblioteca egípcia ou qualquer outro lugar que se referisse
ao povo de Israel vivendo no Egito.
A guarda do sábado teria surgido logo no início da peregrinação, como está
registrado no capítulo 16 de Êxodo:
"Então disse o Senhor a Moisés: Eis que vos farei chover pão do céu; e sairá o
povo e colherá diariamente a porção para cada dia, para que eu o prove se anda
em minha lei ou não. Mas ao sexto dia prepararão o que colherem; e será o dobro
do que colhem cada dia. Disseram, pois, Moisés e Arão a todos os filhos de
Israel: à tarde sabereis que o Senhor é quem vos tirou da terra do Egito, e amanhã
vereis a glória do Senhor, porquanto ele ouviu as vossas murmurações contra o
Senhor; e quem somos nós, para que murmureis contra nós? Disse mais Moisés: Isso
será quando o Senhor à tarde vos der carne para comer, e pela manhã pão a
fartar, porquanto o Senhor ouve as vossas murmurações, com que murmurais contra
ele; e quem somos nós? As vossas murmurações não são contra nós, mas sim contra
o Senhor. Depois disse Moisés a Arão: Dize a toda a congregação dos filhos de
Israel: Chegai-vos à presença do Senhor, porque ele ouviu as vossas murmurações.
E quando Arão falou a toda a congregação dos filhos de Israel, estes olharam
para o deserto, e eis que a glória do Senhor apareceu na nuvem. Então o Senhor
falou a Moisés, dizendo: Tenho ouvido as murmurações dos filhos de Israel;
dize-lhes: À tardinha comereis carne, e pela manhã vos fartareis de pão; e
sabereis que eu sou o Senhor vosso Deus. E aconteceu que à tarde subiram
codornizes, e cobriram o arraial; e pela manhã havia uma camada de orvalho ao
redor do arraial. Quando desapareceu a camada de orvalho, eis que sobre a
superfície do deserto estava uma coisa miúda, semelhante a escamas, coisa miúda
como a geada sobre a terra. E, vendo-a os filhos de Israel, disseram uns aos
outros: Que é isto? porque não sabiam o que era. Então lhes disse Moisés: Este é
o pão que o Senhor vos deu para comer. Isto é o que o Senhor ordenou: Colhei
dele cada um conforme o que pode comer; um gômer para cada cabeça, segundo o
número de pessoas; cada um tomará para os que se acharem na sua tenda. Assim o
fizeram os filhos de Israel; e colheram uns mais e outros menos. Quando, porém,
o mediam com o gômer, nada sobejava ao que colhera muito, nem faltava ao que
colhera pouco; colhia cada um tanto quanto podia comer.
Também disse-lhes Moisés: Ninguém deixe dele para amanhã. Eles, porém, não deram
ouvidos a Moisés, antes alguns dentre eles deixaram dele para o dia seguinte; e
criou bichos, e cheirava mal; por isso indignou-se Moisés contra eles.
Colhiam-no, pois, pela manhã, cada um conforme o que podia comer; porque, vindo
o calor do sol, se derretia. Mas ao sexto dia colheram pão em dobro, dois
gômeres para cada um; pelo que todos os principais da congregação vieram, e
contaram-no a Moisés. E ele lhes disse: Isto é o que o Senhor tem dito:
Amanhã é repouso, sábado santo ao Senhor; o que quiserdes assar ao forno,
assai-o, e o que quiserdes cozer em água, cozei-o em água; e tudo o que sobejar,
ponde-o de lado para vós, guardando-o para amanhã. Guardaram-no, pois, até o dia
seguinte, como Moisés tinha ordenado; e não cheirou mal, nem houve nele bicho
algum. Então disse Moisés: Comei-o hoje, porquanto hoje é o sábado do Senhor;
hoje não o achareis no campo. Seis dias o colhereis, mas o sétimo dia é o
sábado; nele não haverá. Mas aconteceu ao sétimo dia que saíram alguns do povo
para o colher, e não o acharam. Então disse o Senhor a Moisés: Até quando
recusareis guardar os meus mandamentos e as minhas leis? Vede, visto que o
Senhor vos deu o sábado, por isso ele no sexto dia vos dá pão para dois dias;
fique cada um no seu lugar, não saia ninguém do seu lugar no sétimo dia. Assim
repousou o povo no sétimo dia. (Êxodo, 16: 4-30).
Antes desse relato, não encontramos qualquer menção de um patriarca repousando
em um dia da semana. Assim, o relator dos mandamentos no capítulo 5 de
Deuteronômio é que foi congruente com a história patriarcal.
Ao contrário da Páscoa, que, fora a sua menção nos livros de Êxodo, Deuteronômio
e Josué, parece nunca ter existido antes dos dias em que o livro da lei apareceu
na reconstrução do templo de Josias (II Reis, 22), o sábado parece ter começado a ser
observado antes desse fato. Não podemos, contudo, definir quando, uma vez que o
êxodo é fato cuja existência é histórica e arqueológicamente negada. Como a
semana foi criada pelos sacerdotes caldeus muito antes do surgimento do reino de
Israel, esse povo deve ter aprendido a comemorar esse dia talvez inicialmente
como homenagem a Saturno, o deus do Planeta a quem foi dedicado o sétimo dia,
que os romanos chamaram de "dies saturni". Ver
"O NOSSO BOM FIM DE SEMANA". Só
depois que os hebreus se tornaram monoteístas, é que devem ter criado essas
novas razões para observar o dia, uma vez que a astrologia não era aceita entre
eles.