OS FUNDAMENTOS DA GUARDA DO SÁBADO

23/02/2003

 


O que levou os judeus a guardarem o dia de sábado é algo de que não temos certeza. Entretanto, na Bíblia encontramos duas razões excludentes, que resultaram da elaboração apressada de parte do conjunto de livros mais importante da história judaico-cristã. Uma hipótese mais plausível é que eles devem ter comemorado esse dia primeiramente em homenagem a Saturno, e, como o dia sagrado de Yavé só após se tornarem monoteístas.

Dadas as incongruências históricas e geográficas existentes nas histórias dos patriarcas, eruditos biblistas chegaram à conclusão de que o conjunto de livros do Gênesis até Juízes e parte de Reis e Crônicas resultaram de uma coleção de fatos e lendas redigida por vários escribas no reino de Josias, no século sétimo antes da era cristã. Do ajuntamento dos escritos desse vários escriba derivaram várias contradições, entre elas a razão da guarda do sábado.

Um dos mandamentos contidos nas duas tábuas que dizem ter sido entregues a Moisés escritas diretamente pelo dedo de Yavé, registrado em Êxodo, está escrito:

"Lembra-te do dia do sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás, e farás todo o teu trabalho; mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus. Nesse dia não farás trabalho algum, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o estrangeiro que está dentro das tuas portas. Porque em seis dias fez o Senhor o céu e a terra, o mar e tudo o que neles há, e ao sétimo dia descansou; por isso o Senhor abençoou o dia do sábado, e o santificou" (Êxodo, 20: 8-11).

E o mesmo mandamento, repetido em Deuteronômio, traz a seguinte informação:

"Lembra-te de que foste servo na terra do Egito, e que o Senhor teu Deus te tirou dali com mão forte e braço estendido; pelo que o Senhor teu Deus te ordenou que guardasses o dia do sábado" (Deuteronômio, 5: 5).

No primeiro livro, está registrado que o deus Yavé descansou nesse dia e o abençoou; pelo que seu povo deveria guardá-lo também. Já no segundo, a informação é de que Yavé determinou que guardassem o dia de sábado pelo fato de eles terem sido escravo no Egito, vindo a serem libertados pela mão poderosa de Yavé. Como explicar isso? Qual das afirmações parece mais verossímil?

Como os livros foram escritos por vários escribas e depois ajuntados os textos, há a possibilidade de o mandamento escrito em Êxodo ter sido elaborado pelo mesmo escriba que relatou a criação em Gênesis, 1: 1- 31 e 2: 1-3. E, por outro lado, quem relatou o mandamento em Deuteronômio pode ter sido o mesmo escriba que escreveu a criação contada em Gênesis, 2: 4-23. Vale lembrar que essa numeração não existia, vindo a ser elaborada já na era cristã, para facilitar as referências bíblicas. Isso justifica um ter escrito o primeiro capítulo e um pedacinho do segundo.

Nos dois relatos da criação há divergência na ordem em que teria Yavé feito todas as coisas:

No primeiro, Yavé teria feito tudo numa seqüência: a terra, vegetais, os astros celestes, aves e animais aquáticos, animais terrestres, sendo o homem e a mulher a sua última criação.

No segundo relato, Yavé teria feito a terra, depois o homem, em seguida os vegetais, todos os animais e aves, vindo a criar a mulher, da costela do homem, por último.

No primeiro relato, a criação segue ao longo de uma semana, sendo o sétimo dia o de descanso; e no segundo relato, só se fala "No dia em que o Senhor Deus fez a terra e os céus". Pode ser o mesmo relator desse texto que tenha escrito o mandamento em Deuteronômio, uma vez que ali a razão de guardar o sábado não vinha dos dias da criação, mas dos dias do Êxodo.

Como se pode observar pela leitura da Bíblia, afora a afirmação de que Yavé teria descansado no sétimo dia, abençoando-o, o sábado nunca mais foi mencionado, senão no relato da peregrinação pelo deserto. Nunca o escritor bíblico associou a guarda do sábado à vida de Noé, Sem, Abraão, Isaque, Jacó, ou qualquer outro patriarca antes do Êxodo. É importante saber que as análises arqueológicas descartam a ocorrência do êxodo, bem como não foi encontrado qualquer registro em biblioteca egípcia ou qualquer outro lugar que se referisse ao povo de Israel vivendo no Egito.

A guarda do sábado teria surgido logo no início da peregrinação, como está registrado no capítulo 16 de Êxodo:

"Então disse o Senhor a Moisés: Eis que vos farei chover pão do céu; e sairá o povo e colherá diariamente a porção para cada dia, para que eu o prove se anda em minha lei ou não. Mas ao sexto dia prepararão o que colherem; e será o dobro do que colhem cada dia. Disseram, pois, Moisés e Arão a todos os filhos de Israel: à tarde sabereis que o Senhor é quem vos tirou da terra do Egito, e amanhã vereis a glória do Senhor, porquanto ele ouviu as vossas murmurações contra o Senhor; e quem somos nós, para que murmureis contra nós? Disse mais Moisés: Isso será quando o Senhor à tarde vos der carne para comer, e pela manhã pão a fartar, porquanto o Senhor ouve as vossas murmurações, com que murmurais contra ele; e quem somos nós? As vossas murmurações não são contra nós, mas sim contra o Senhor. Depois disse Moisés a Arão: Dize a toda a congregação dos filhos de Israel: Chegai-vos à presença do Senhor, porque ele ouviu as vossas murmurações.

E quando Arão falou a toda a congregação dos filhos de Israel, estes olharam para o deserto, e eis que a glória do Senhor apareceu na nuvem. Então o Senhor falou a Moisés, dizendo: Tenho ouvido as murmurações dos filhos de Israel; dize-lhes: À tardinha comereis carne, e pela manhã vos fartareis de pão; e sabereis que eu sou o Senhor vosso Deus. E aconteceu que à tarde subiram codornizes, e cobriram o arraial; e pela manhã havia uma camada de orvalho ao redor do arraial. Quando desapareceu a camada de orvalho, eis que sobre a superfície do deserto estava uma coisa miúda, semelhante a escamas, coisa miúda como a geada sobre a terra. E, vendo-a os filhos de Israel, disseram uns aos outros: Que é isto? porque não sabiam o que era. Então lhes disse Moisés: Este é o pão que o Senhor vos deu para comer. Isto é o que o Senhor ordenou: Colhei dele cada um conforme o que pode comer; um gômer para cada cabeça, segundo o número de pessoas; cada um tomará para os que se acharem na sua tenda. Assim o fizeram os filhos de Israel; e colheram uns mais e outros menos. Quando, porém, o mediam com o gômer, nada sobejava ao que colhera muito, nem faltava ao que colhera pouco; colhia cada um tanto quanto podia comer.

Também disse-lhes Moisés: Ninguém deixe dele para amanhã. Eles, porém, não deram ouvidos a Moisés, antes alguns dentre eles deixaram dele para o dia seguinte; e criou bichos, e cheirava mal; por isso indignou-se Moisés contra eles. Colhiam-no, pois, pela manhã, cada um conforme o que podia comer; porque, vindo o calor do sol, se derretia. Mas ao sexto dia colheram pão em dobro, dois gômeres para cada um; pelo que todos os principais da congregação vieram, e contaram-no a Moisés. E ele lhes disse: Isto é o que o Senhor tem dito: Amanhã é repouso, sábado santo ao Senhor; o que quiserdes assar ao forno, assai-o, e o que quiserdes cozer em água, cozei-o em água; e tudo o que sobejar, ponde-o de lado para vós, guardando-o para amanhã. Guardaram-no, pois, até o dia seguinte, como Moisés tinha ordenado; e não cheirou mal, nem houve nele bicho algum. Então disse Moisés: Comei-o hoje, porquanto hoje é o sábado do Senhor; hoje não o achareis no campo. Seis dias o colhereis, mas o sétimo dia é o sábado; nele não haverá. Mas aconteceu ao sétimo dia que saíram alguns do povo para o colher, e não o acharam. Então disse o Senhor a Moisés: Até quando recusareis guardar os meus mandamentos e as minhas leis? Vede, visto que o Senhor vos deu o sábado, por isso ele no sexto dia vos dá pão para dois dias; fique cada um no seu lugar, não saia ninguém do seu lugar no sétimo dia. Assim repousou o povo no sétimo dia. (Êxodo, 16: 4-30).

Antes desse relato, não encontramos qualquer menção de um patriarca repousando em um dia da semana. Assim, o relator dos mandamentos no capítulo 5 de Deuteronômio é que foi congruente com a história patriarcal.

Ao contrário da Páscoa, que, fora a sua menção nos livros de Êxodo, Deuteronômio e Josué, parece nunca ter existido antes dos dias em que o livro da lei apareceu na reconstrução do templo de Josias (II Reis, 22), o sábado parece ter começado a ser observado antes desse fato. Não podemos, contudo, definir quando, uma vez que o êxodo é fato cuja existência é histórica e arqueológicamente negada. Como a semana foi criada pelos sacerdotes caldeus muito antes do surgimento do reino de Israel, esse povo deve ter aprendido a comemorar esse dia talvez inicialmente como homenagem a Saturno, o deus do Planeta a quem foi dedicado o sétimo dia, que os romanos chamaram de "dies saturni". Ver "O NOSSO BOM FIM DE SEMANA". Só depois que os hebreus se tornaram monoteístas, é que devem ter criado essas novas razões para observar o dia, uma vez que a astrologia não era aceita entre eles.
 

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