A maioria das igrejas cristãs há séculos aguardam um fato iminente chamado "grande
tribulação". Poucas pessoas, talvez, têm conhecimento da origem dessa
crença. Essa ideia provém de duas sucessivas profecias, a primeira surgida, ao
que parece, no final de um dos períodos mais difíceis da vida dos judeus, sob o
ataque do rei sírio Antíoco Epífanes. Uma outra profecia aparece no capítulo 7,
que os cristãos dizem se referir ao império romano. Os cristãos
primitivos lançaram mão dessa predição,
relacionando-a à destruição de Jerusalém pelos romanos, e cristãos dos últimos
dois séculos
passados e do atual a utilizam como sendo a previsão do domínio papal da Idade
Média e de um período difícil que, creem eles,
está prestes a acontecer.
Após a morte de Alexandre Magno, o poderoso império grego foi dividido entre
seus quatro generais: Cassandro, Lisímacus, Ptolomeu e Seleucus. Conforme
registrado no primeiro livro dos Macabeus, o rei sírio Antíoco IV, o oitavo da
dinastia selêucida (de Seleucus) tentou acabar com a religião judaica
destituindo e substituindo Onias, o ungido sumo sacerdote judeu, destruindo o templo de Jerusalém e
oferecendo sacrifícios aos seus deuses sobre o altar de Yavé e proibindo os
hebreus de praticar a sua religião.
Um judeu chamado Judas, diante da desolação em que se achava a cidade santa,
preparou seu exército contra o opressor e conseguiu vencer a guerra, restaurando
o santuário.
Naqueles dias é que devem ter aparecido as predições constantes dos capítulos 8
a 12 de Daniel, que são tidas como escritas cerca de quatro séculos antes pelo
profeta, que vivia na corte de Nabucodonozor.
Esses cinco capítulos de Daniel falam com muitos detalhes da ação de Antíoco e
da restauração do santuário. Porém prevê o estabelecimento daquele esperado
reino eterno dos judeus após esses fatos. Tudo indicava que os hebreus dessa vez
reinariam, mas o resto da profecia falhou. Como os judeus não fundaram o
referido reino, mas tudo até a restauração do santuário estava escrito
detalhadamente na profecia, é de se suspeitar que ela tenha sido elaborada
exatamente nos dias da vitória de Judas.
O texto em Daniel 8 não deixa nenhuma
dúvida: "...o bode peludo é o rei da Grécia; e o grande chifre que tinha
entre os olhos é o primeiro rei. O ter sido quebrado, levantando-se quatro em
lugar dele, significa que quatro reinos se levantarão da mesma nação, porém não
com a força dele" (Daniel, 8: 21, 22).
O "rei da Grécia", ninguém nega, foi
Alexandre o Grande, que eliminou o império Medo-Persa, estabelecendo o império
Grego.
Os quatro chifres que substituíram o
chifre único do bode foram os quatro generais que dividiram entre si o reino
após a morte de Alexandre. E "um rei, feroz de semblante e que
entende enigmas" (versículo 23), vindo tempos depois, não poderia ser outro que não Antíoco IV. Se o
rei deveria destruir o poder do povo santo e profanar o santuário, só Antíoco
fez isso com precisão. Vencida a guerra por Judas Macabeu, o santuário foi
restaurado. Para cumprir tudo, só faltava o estabelecimento do reino judeu sobre
todos os povos, o que não ocorreu.
Passados aqueles dias, não demorou muito caírem os hebreus sob o férreo Império
Romano. Aí entra a profecia do capítulo 7. O capítulo 7 de Daniel fala de um
período de destruição do poder do povo santo muito semelhante ao que consta do
capítulo 8; todavia, o agente autor do assolamento já seria alguém procedente de
um império poderoso simbolizado por um animal terrível, de dez chifres, com
dentes de ferro, que cristãos dizem ser o Império Romano. No final desse tempo de
sofrimento, à semelhança da predição do capítulo 8, deveria vir o reino eterno
do povo de Yavé.
Coincidentemente, no ano 70 da era atual, a cidade
santa foi destruída novamente, agora pelo exército romano, e começou um período muito apropriadamente chamado de "grande
tribulação". Os judeus foram dispersos pelo império, perdendo sua pátria, a
terra da promessa. Alguns
anos depois das destruição da cidade santa, foram escritos os vários evangelhos
cristãos, dos quais no século IV a igreja cristã romana escolheu quatro para
fazer parte da bíblia cristã.
Nos evangelhos de Mateus e de Lucas, consta Jesus, o messias dos cristãos, ter
avisado aos seus seguidores sobre a destruição da cidade, dizendo ser "o
abominável da desolação de que falou o profeta Daniel" (Mateus, 24: 15).
Pela quarta vez, estava a promessa do reino:
"Logo depois da tribulação
daqueles dias, escurecerá o sol, e a lua não dará a sua luz; as estrelas cairão
do céu e os poderes dos céus serão abalados. Então aparecerá no céu o sinal do
Filho do homem, e todas as tribos da terra se lamentarão, e verão vir o Filho do
homem sobre as nuvens do céu, com poder e grande glória. E ele enviará os seus
anjos com grande clangor de trombeta, os quais lhe ajuntarão os escolhidos desde
os quatro ventos, de uma à outra extremidade dos céus" (Mateus, 24: 29-31).
A profecia de Daniel fala que a duração do período de tribulação é de "um tempo,
dois tempos e metade de um tempo", isto é, três anos e meio (tempo
aproximado que durou a grande tribulação vivida sob o domínio de Antíoco IV). Como os romanos
expulsaram os hebreus de sua terra, e isso não durou três anos e meio, mas se
estendeu pelos séculos seguintes, para não admitir que a profecia falhara,
deveria haver uma interpretação convincente. Daí é que deve ter surgido a crença
de que a cada dia corresponderia um ano.
Se a cada dia da grande tribulação deveria corresponder um ano, não seria
difícil saber quando deveriam ocorrer os incríveis fenômenos cósmicos:
escurecimento do sol e da lua e a queda das estrelas (naquele tempo
acreditava-se que as estrelas fossem pequeninas bolinhas luminosas como parecem
aos nossos olhos). Mil duzentos e sessenta anos contados do ano 70 vão até o ano
1330. Assim sendo, o período de desolação deveria se acabar por volta daquele ano (1330) e
logo depois deveriam dar-se o escurecimento do Sol e a queda das estrelas, e
Jesus deveria aparecer nas nuvens do céu para recolher seus escolhidos e
estabelecer o reino eterno.
Todos sabemos que nada do que foi predito no evangelho de Mateus para além da
dispersão dos judeus se
cumpriu. Mas os religiosos jamais aceitariam a simplicidade dos fatos. A
semelhança dos judeus, os cristãos continuaram esperando um dia a volta e o
reino de Jesus.
No século dezenove, os mestres da Igreja Adventista do Sétimo Dia interpretaram
que a grande tribulação fora o período de domínio papal, iniciado no ano 538 e
terminado no ano 1798, quando o papa foi aprisionado por Napoleão Bonaparte. E,
como as profecias do Apocalipse de João são diferentes do que diz o chamado
sermão profético de Jesus em Mateus, eles conseguiram manter o convencimento da
fé nas previsões. Em apocalipse, aquela tribulação de mil duzentos e sessenta
dias não seria o final dos domínios mundanos como está em Mateus 24. Lá está
escrito sobre o período de tribulação causado por uma fera de sete cabeças e dez
chifres (o Império Romano), mas é prevista uma segunda besta, com todo o poder
da primeira. E, não obstante as palavras atribuídas a Jesus em Mateus afirmem
que aquele tempo de tribulação era "como igual nunca houve, nem haverá jamais"
(Mateus, 24: 21), o Apocalipse prevê outro, e os adventistas o esperam. Os
cristãos evangélicos também desde o século passado até já marcaram datas muito
próximas para ocorrer a grande tribulação, que eles acreditam deverá durar três
anos e meio. Assim, apesar de termos provas bem claras de que as previsões
bíblicas não se cumpriram, permanece na cabeça dos cristãos a crença de que
haverá ainda uma grande tribulação e Jesus virá estabelecer um reino divino e
eterno, onde não haverá mais sofrimento.
Hoje, milhões de pessoas vivem aguardando grande tribulação,
ignorando que essa ideia deriva de interpretações erradas de textos escritos
antes da era cristã com referência a um período de grande sofrimento dos judeus,
que, deveria, segundo os videntes da época, ser os últimos dias de sofrimento
dos judeus. Nada tinha a ver com os nossos dias.