“É claro que existem normas fixas de gramática relativas à pontuação.
A essas, entretanto, deve-se acrescentar a criatividade ou a intuição do redator.
Observe-se, por exemplo, a estrofe seguinte, manifestação de um alegre poeta apaixonado por uma moça chamada Soledade:
“Se obedecer a razão,
Digo que amo a Soledade.
Não a Rosa, cuja bondade
Ser humano não teria.
Não aspiro à mão de Íria,
Que não é linda beldade”.
Os versos não são nenhum primor, mas Soledade gostou muito. Apaixonou-se também pelo poeta e foram felizes por… pouco tempo, porque ele, muito volúvel, cedo a esqueceu e começou a namorar uma tal de Rosa.
Como os versinhos já haviam dado sorte, o autor modificou a pontuação e enviou-os à Rosa.
“Se obedecer a razão,
Digo que amo a Soledade?
Não. A Rosa, cuja bondade
Ser humano não teria.
Não aspiro à mão de Íria,
Que não é linda beldade”.
E a estória se repetiu.
Depois de algum tempo, o poeta também esqueceu Rosa e passou a interessar-se por uma feinha original chamada Íria.
Como não podia deixar de ser, enviou-lhe a mesma estrofe com outra pontuação:
“Se obedecer a razão,
Digo que amo a Soledade?
Não. A Rosa, cuja bondade
Ser humano não teria?
Não. Aspiro à mão de Íria,
Que não é linda beldade”.
E, por fim, desiludido de todas elas, modificou, pela última vez, a pontuação da estrofe, fixando nela todo o seu desencanto:
“Se obedecer a razão,
Digo que amo a Soledade?
Não. A Rosa, cuja bondade
Ser humano não teria?
Não. Aspiro à mão de Íria?
Que!? Não é linda beldade…”.
(Édison de Oliveira, Todo Mundo Tem Dúvida, Inclusive Você, 1ª Edição, 1974, pgs. 187 e 188).
A estória aí exemplifica o quanto a pontuação faz a diferença. Sem alterar uma letra, só mudando a pontuação, o poeta pode demonstrar sucessivamente seu amor por cada uma das três moças e ainda a expressão sua desilusão após ter namorado as três.