RELIGIÃO NA ESCOLA ESTIMULA A INTOLERÂNCIA
Religião na escola estimula o preconceito
e a intolerância
Carlos Pompe *
A professora Débora Diniz, da
Universidade de Brasília (UnB) liderou uma pesquisa que
apurou que livros didáticos mais aceitos pelas escolas
públicas promovem a homofobia e pregam o cristianismo. O
estudo gerou o livro Laicidade: O Ensino Religioso no
Brasil.
A pesquisa conclui que o preconceito e a intolerância
religiosa são inculcados em milhares de crianças e
jovens do ensino fundamental brasileiro. Foram
analisados os 25 livros de ensino religioso mais usados
pelas escolas públicas do país. Os livros foram
escolhidos a partir dos títulos mais aceitos pelas
escolas do governo federal, segundo informações do Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação. A imagem de
Jesus Cristo aparece 80 vezes mais do que a de uma
liderança indígena no campo religioso – limitada a uma
referência anônima e sem biografia –, 12 vezes mais que
o líder budista Dalai Lama e ainda conta com um espaço
20 vezes maior que Lutero, referência intelectual para o
Protestantismo (Calvino nem mesmo é citado).
“O estímulo à homofobia e a imposição de uma espécie de
‘catecismo cristão’ em sala de aula são uma constante
nas publicações”, informa uma das autoras do trabalho, a
antropóloga e professora do Departamento de Serviço
Social, Débora Diniz.
A psicóloga e coautora do livro, Tatiana Lionço,
salienta que, antes de ir parar nas mochilas de crianças
e jovens, todo material didático passa por uma avaliação
de uma banca de profissionais do Programa Nacional do
Livro Didático, vinculado ao Ministério da Educação.
Todos, menos os de Religião. “Não há qualquer tipo de
controle. O resultado é a má formação dos alunos”,
comenta.
Ela questiona o modelo de ensino religioso nas escolas
do país com base no princípio constitucional de que o
Estado deveria ser laico (neutro em relação às
religiões). “Se o Estado deveria ser laico, por que
ensinar religião nas escolas? Se a religião for tratada
na sala de aula, tem de ser de forma responsável e
diversificada”, acrescenta.
A discriminação de homossexuais vem junto com a
doutrinação religiosa feita às custas do Estado, em
escolas públicas. “Desvio moral”, “doença física ou
psicológica”, “conflitos profundos” e “o homossexualismo
não se revela natural” são algumas das expressões usadas
para tratar das pessoas que optam por ligações com o
mesmo sexo. Um exercício com a bandeira das cores do
arco-íris acaba com a seguinte questão: “Se isso (o
homossexualismo) se tornasse regra, como a humanidade
iria se perpetuar?”.
Débora diz que num dos livros didáticos
uma pessoa sem
religião é associada ao nazismo (que,
contraditoriamente, teve apoio ativo da Igreja Católica
e foi combatido pela União Soviética, primeiro Estado a
adotar expressamente o materialismo dialético no ensino
público). “É sugerida uma associação de que um ateu
tenderia a ter comportamentos violentos e ameaçadores”,
observa. “Os livros usam de generalizações para levar a
desinformação e pregar o cristianismo”, completa ela que
é uma das três autoras da pesquisa.
“Há uma clara confusão entre o ensino religioso e a
educação cristã”, afirma Débora. A antropóloga reforça a
imposição do catecismo. “Cristãos tiveram 609 citações
nos livros, enquanto religiões afro-brasilieras,
tratadas como ‘tradições’, aparecem em apenas 30
momentos”, comenta.
O estudo, realizado entre março e julho de 2009, revela
a ligação entre as editoras responsáveis pelas
publicações e a doutrinação religiosa. A editora FTD,
por exemplo, pertence aos irmãos Maristas, sociedade
católica criada em 1817, na França. Também são católicas
as editoras Vozes, Paulus Paulinas, Vida e
Edições
Loyola. “É esse contexto nebuloso de relações e
interesses que envolve a pesquisa” diz Débora. Outras
das principais editoras do material escolar são a Abril
de Educação, líder do mercado, a Ártica, Scipione,Saraiva,
Moderna e Dimensão.
As 112 páginas da publicação, lançada pelas editoras UnB
e Letras Livres, ainda conta com a contribuição da
assistente social Vanessa Carrião, do instituto de
Bioética, Direitos Humanos e Gênero.
*
Carlos Pompe é jornalista.
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