O leitor, provavelmente, terá ouvido algum dia
a frase "estamos na última semana de Daniel"; principalmente em julho de
1992,
por ocasião dos pequenos terremotos em Minas Gerais e São Paulo, simultaneamente
com os grandes abalos na Califórnia, EUA.
Não passa de mais um dos muitos movimentos que têm surgido no decorrer dos
séculos avisando que o fim do mundo está iminente e o retorno do salvador para
dar fim à iniqüidade se aproxima.
As profecias de Daniel têm sido motivo de precipitadas previsões do fim do mundo
desde o fim do primeiro milênio da nossa era; mas, à medida que se passam os
séculos e os meios de comunicação se tornam mais eficientes para informar a
todos os bilhões habitantes da Terra as catástrofes naturais ocorridas, os
movimentos religiosos se tornam mais veementes em anunciar o fim. Porém, nada
mais propício ao fim do mundo do que o fim do segundo milênio cristão, para onde
convergem o maior número de previsões. Ainda no primeiro século, já surgira a
teoria do sábado milenar, que defendia a idéia de que, à semelhança dos seis
dias da criação e o sétimo dia, em que o criador descansara (Gênesis, 2: 2), o
mundo teria sua existência limitada a nada mais do que seis milênios.
"A epístola de Barnabé, do princípio da era cristã, mencionava uma teoria, então
em voga, segundo a qual, assim como tinha havido 2.000 anos de Adão a Abraão, e
2.000 anos de Abraão a Cristo, também haveria 2.000 anos para dispensação
cristã, seguindo-se então o milênio do repouso sabático: 6.000 anos e, depois, o
sábado milenário: assim como aos 6 dias da criação seguiu-se o dia de descanso."
(Henry H. Halley, Manual Bíblico, pág. 33).
Talvez seja essa teoria a razão principal da conhecida frase de um mil passará e
a dois mil não chegará.
A última, no entanto, não se baseia na Epístola de Barnabé, mas numa forçada
interpretação de uma das previsões do Profeta Daniel, AS "SETENTA SEMANAS".
Baseando em Daniel 9: 24 a 27, um dos novos grupos religiosos explica:
"Esta profecia das sessenta e nove semanas foi cumprida literalmente desde a
ordem para restaurar Jerusalém até a morte de Jesus e a destruição de Jerusalém.
Somente agora depois de muitos anos é que podemos ver os sinais da septuagésima
semana ou última semana, que são os últimos sete anos do mundo divididos em dois
tempos: três anos e meio mais três anos e meio...
Isto é o que podemos ver literalmente com estes acordos mundiais e a dissolução
do comunismo. Cada um procura como exercer domínio sobre os outros. Até que se
levante um homem, na metade dos sete anos, que com a ajuda de dez países, tome o
domínio total do mundo, este homem é chamado pelos apóstolos de o anti-Cristo ou
a besta, disse o profeta em Apocalipse..." (Revelação, nº 1, abril/90, pág. 3 e
4).
Um pregador chegou até a fazer menção ao nome de Bóris Yeltsin, como sendo o
Anticristo.
QUE DIZ A BÍBLIA?
Os fatos mencionados como sendo o cumprimento da "última semana" estão
extremamente distanciados do que disse o profeta Daniel. Basta ler atentamente
Daniel 9: 24 a 27 e tirar as próprias conclusões:
"Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo e sobre a tua santa cidade"
(vers. 24), contando-se o tempo "desde a saída da ordem para restaurar e para
edificar Jerusalém" (vers. 25). Esse período iniciou-se "depois da queda de
Babilônia no império dos Medos e Persas", como está dizendo o próprio intérprete
na página 3 da revista "Revelação", afirmando que "Deus, através do rei Artaxerxes, ordenou o profeta Neemias reconstruir os muros de Jerusalém, e aí
foi quando começou as setenta semanas do fim do mundo."
Como o início do tempo não é questionado, e muitos intérpretes o fazem da mesma
forma, resta-nos saber sobre o seu fim; o que podemos analisar observando os
acontecimentos que deveriam estar dentro das setenta semanas.
A separação da última semana não é teoria nova. Ela já existe há mais tempo.
Em 1982, para justificar a separação da última semana, um mestre religioso
escreveu:
"1. "Extinguir a transgressão" - a transgressão de Israel somente será extinta
quando a nação se converter, conforme RM 11.26.
2. "Expiar a iniqüidade" - como a profecia relaciona-se exclusivamente com os
israelitas (veja as expressões: teu povo, tua santa cidade etc.), o texto não
pode aplicar-se à Igreja. Os efeitos da obra expiatória de Cristo somente
alcançarão Israel quando, como nação, converter-se no final da septuagésima
semana.
3. "Trazer a justiça eterna" - esse fato ocorrerá somente quando Cristo
estabelecer aqui na Terra a justiça eterna, diferente da justiça humana, que é
temporária e cheia de falhas. Ainda vivemos no tempo em que opera o "mistério da
injustiça", 2 Ts 2.7,10. Este terá fim por ocasião do estabelecimento do
Milênio. Jesus é o Rei que reinará com justiça: Is 32.1; Jr 33.15,16.
4. "Selar a visão e a profecia" - esta passagem só poderá cumprir-se no Milênio,
quando não mais ocorrerão visões ou profecia, pelo fato de Cristo habitar no
meio do seu povo, e de toda a Terra achar-se cheia do conhecimento do Senhor: Is
11.9.
5. "Ungir o Santo dos Santos" - refere-se à purificação do templo e da cidade de
Jerusalém da abominação desoladora levada a efeito pelo Anticristo no final da
Grande Tribulação. Alguns acham que o templo referido aqui é o mesmo de Ezequiel
40-43 e Zacarias 6.12,13. Finis Jennings Dake afirma que a expressão "santo dos
santos" nunca é usada para pessoas, e que nunca os judeus a aplicariam ao seu
Messias". (Abraão de Almeida, Deus Revela o Futuro, páginas 34 e 35).
Agora vejamos se são válidos os argumentos acima.
1."Para extinguir a transgressão, para dar fim aos pecados" - Um antigo
intérprete dizia que a palavra da qual se traduziu "pecados" significava "oferta
pelos pecados", o que parece confirmado no versículo 27, onde fala de "cessar o
sacrifício e a oferta de manjares". João disse que Cristo "se manifestou para
tirar os pecados" (1 João, 3: 5) "pelo seu sangue nos libertou dos nossos
pecados" (Apocalipse, 1: 5); portanto, na ótica apostólica, ele extinguiu a
transgressão, dando fim à oferta pelos pecados. Se extinguiu a transgressão,
deu fim aos pecados.
2. "Expiar a iniqüidade" - Paulo afirmou que Cristo, "depois de ter feito a
purificação dos pecados, assentou-se à direta da Majestade nas alturas"
(Hebreus, 1: 3). Há versões que dizem "expiação dos pecados". A
purificação ou expiação, o sumo sacerdote fazia quando entrava no santo dos
santos (Levíticos, 16; Hebreus, 9: 1 a 7). Segundo Paulo, Cristo a fez, entrando
"no santo dos santos, uma vez por todas" (Hebreus, 9: 12). Assim, segundo o
entendimento cristão primitivo, cumpriu-se mais esse pormenor da profecia de
Daniel.
3. "Trazer a justiça eterna" - O mesmo Paulo considerou esta parte da
profecia cumprida, quando se referiu a Cristo como a "manifestação da sua
justiça no tempo presente" (Romanos, 3: 26); tempo esse que teria
coincidido cronologicamente com o fim das setenta semanas de anos.
4. "Selar a visão e a profecia" - Sobre esse pormenor nada foi dito pelos
apóstolo. Mas os outros pontos mencionados são suficientes para entender que a
visão cristã não era a dos cristãos atuais.
5. "Ungir o santo dos santos" - Quando o versículo 26 fala que "será
morto o Ungido", isto nos dá a entender que o "Santo dos Santos" que seria
ungido era o próprio Cristo, e não o lugar do santuário. Se porém formos
considerar como sendo a unção do santo dos santos do santuário (Êxodo, 30: 26 a
29), ou a "purificação do templo", como afirmou Abraão de Almeida, temos também
a profecia cumprida nos dias de Cristo; pois Paulo disse que ele "entrou no
santo dos santos uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção." (Hebreus, 9:
12). Por uma ou outra interpretação, chegaremos ao mesmo resultado.
Diante das afirmações acima, não há nenhuma razão para colocarmos a última
semana separada das outras. Ao contrário, temos que aceitar o seu cumprimento
naqueles dias apostólicos.
A confusão da interpretação dos atuais anunciadores do fim do mundo é com
respeito aos versículos 26 e 27 e a "última semana". O texto diz: "Depois das
sessenta e duas semanas" (que já seriam precedidas por outras "sete semanas" (vers.
25) "será morto o Ungido, e já não estará; e o povo de um príncipe, que há de
vir, destruirá a cidade e o santuário" (vers. 26), e em seguida, menciona que
"Ele fará firme aliança com muitos por uma semana...". Por esta razão imaginou o
atual intérprete que a semana da "firme aliança" seria depois da destruição da
cidade santa e outros acontecimentos posteriores, entendendo a septuagésima
semana como separada das outras sessenta e nove.
O que o intérprete hodierno não observou é que "na metade da semana" deveria
"fazer cessar o sacrifício e a oferta de manjares" (vers. 27), o que seria,
segundo a ótica cristã, o sacrifício de Jesus, chamado o Cristo, quando "a si mesmo se ofereceu"
(Hebreus, 7: 27). Após falar de "cessar o sacrifício", o texto diz: "sobre a asa
das abominações virá o assolador" (Daniel 9: 27). Posteriormente, afirma que
"Depois que o costumado sacrifício for tirado, e posta a abominação assoladora,
haverá ainda mil duzentos e noventa dias." (Dan. 12: 11). Mateus escreveu que o
próprio Cristo falou do cerco e destruição de Jerusalém referindo ao "abominável
da desolação de que falou o profeta Daniel" (Mateus, 24: 15).
Comparando todos os textos acima, não é difícil entender que, numa visão cristã, a septuagésima
semana teria sido por ocasião das obras e sacrifício de Jesus: pois,
se o sacrifício
seria tirado na metade da semana da aliança e a abominação assoladora viria
depois, tendo ela já ocorrido, nos primeiros séculos da era cristã, não há como
passar essa semana para depois de tudo isso.
Outra divergência dos atuais pregadores com outros intérpretes é quanto a "ELE",
que "fará firme aliança" (Dan. 9: 27). Na página 6 da revista "Revelação", está
escrito que "ele" é o anti-Cristo, quando o texto bíblico, conforme vários
intérpretes, dá a entender ser o próprio Cristo. A tradução do Padre Antônio
Pereira de Figueiredo, feita da Vulgata Latina, diz: "Este Cristo porém
confirmará para muitos o seu pacto numa semana". O que se entende por melhor
interpretação com base na doutrina cristã é que, por três anos e meio, Jesus pregou o seu evangelho do
reino dos céus, sendo esse tempo a metade da semana, fazendo "cessar o
sacrifício e a oferta de manjares" (Dan. 9: 27) com o seu próprio sacrifício,
fazendo cessar o sacrifício de animais quando "fez isto uma vez por todas,
quando a si mesmo se ofereceu" (Hebreus, 7:27).
Em Daniel, no capítulo 11, nos versículos 30 e 31, está escrito que o assolador
terá forças que "tirarão o sacrifício costumado, estabelecendo a abominação
desoladora". Ligando esse versículo com o versículo 27 do capítulo 9, parece até
terem razão os atuais intérpretes em dizer que se refere a uma aliança feita
pelo próprio assolador. Contudo, ainda que o pronome "ele" se refira ao
assolador, em nada ajuda para deslocar a última semana para agora, pois, se
disse que "na metade da semana fará cessar o sacrifício" (Daniel, 9: 27) e os
"mil e duzentos e noventa dias" iniciam aí (Daniel, 12:11), sendo esse assolamento o cerco e destruição de Jerusalém (Mateus, 24: 15 a 21; Daniel, 9:
26), a semana fatalmente já está no passado.
Da exposição acima, se deduz, sem dificuldade, que o deslocamento da última
semana das setenta para um tempo muito posterior é infundado, não havendo nada
para justificar esse lapso de tantos séculos. Isto é como você ter setenta dias
para pagar uma dívida e depois de sessenta e nove dias criar um lapso de alguns
anos entre os sessenta e nove e o septuagésimo dia. O credor aceitaria?
A visão do profeta mostrava o seguinte: setenta semanas (quatrocentos e noventa
dias), que seriam, segundo os intérpretes cristãos, quatrocentos e noventa anos, determinadas sobre o povo do
profeta; depois os "mil duzentos e noventa dias" (Dan. 12: 11), que seriam a
soma dos mil duzentos e sessenta dias, "um tempo, dois tempos e metade de um
tempo" (Dan. 7: 25), ou "quarenta e dois meses" (Apoc. 10: 11), o mesmo que se
chamou "tempo dos gentios" em que a cidade santa seria "pisada por eles" (Lucas,
21: 24), com mais trinta dias, que deveriam ser o período de aproximadamente
trinta anos entre a crucifixão do Jesus e o cerco de Jerusalém.
Assim, os que esperavam uma besta (poder político) entre 1991 e 1997 tropeçaram
como os anteriores, e os que a esperam para tempo futuro caem no mesmo engano.
Tudo já se passou. (Capítulo de A Arriscada Pretensão de Saber o Futuro, 1999).
Ademais, vale lembrar que o texto do capítulo 8 de Daniel se referia a Antíoco
Epífanes, que infligiu uma grande tribulação aos judeus, e posteriormente o capítulo 7 foi escrito parecendo transpor tudo para o
Império Romano, mas pode se enquadrar perfeitamente a Antíoco mesmo. E, ainda mais posteriormente, os cristãos adaptaram tudo aos
seus dias (Ver DETALHES).
Agora, desde décadas atrás, pessoas se julgam nos últimos sete anos do mundo;
aqueles anos passam, e novas interpretações surgem. O que podemos concluir?
Essas reinterpretações irão surgir enquanto houver religião cristã neste mundo.
Mas o cumprimento disso é só nas cabeças deles.
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