O CRIADOR QUE O HOMEM CRIOU PERMANECE VIVO
- 03/03/2003 -
O criador
criado nos primórdios da humanidade ainda permanece vivo em grande parte do pensamento
hodierno,
manifestando-se, como no passado, nas formas de aves, quadrúpedes, répteis e
fenômenos da natureza, como se vê pelo texto abaixo, transcrito de uma folha que
encontrei afixada numa parede no meu local de trabalho:
“Um homem sussurrou: Deus fale comigo.
E um rouxinol começou a cantar
Mas o homem não ouviu.
Então o homem repetiu:
Deus fale comigo!
E um trovão ecoou nos céus
Mas o homem foi incapaz de ouvir.
O homem olhou em volta e disse:
Deus deixe-me vê-lo
E uma estrela brilhou no céu
Mas o homem não a notou.
O homem começou a gritar:
Deus mostre-me um milagre
E uma criança nasceu
Mas o homem não sentiu o pulsar da vida.
Então o homem começou a chorar e a se desesperar:
Deus, toque-me e deixe-me sentir que você está aqui comigo...
E uma borboleta pousou suavemente em seu ombro.
(Tradução e adaptação do Livro By San Etioy).”
O homem do passado, como alguns de hoje, ouviu as vozes dos deuses no trovão e
nos ecos de seus próprios gritos; sentiu o poder maléfico dos demônios nas
pessoas acometidas de distúrbios mentais; agradeceu as bênçãos divinas,
expressas na chuva, no crescimento das plantas e outros frutos da natureza, com
sacrifícios de animais e - que barbaridade!!! - até de seus semelhantes. Em
todos os tempos, tudo para que o homem não encontra uma explicação plausível
tende a ser atribuído a entidades sobrenaturais.
O homem
primitivo se achava em um mundo cheio de mistérios: via, em certos animais,
superpoderes, capacidades que só poderiam provir de seres superiores ao homem.
Além disso, fenômenos naturais, como o trovão e o relâmpago, a própria chuva
caindo do alto, deveriam ser atos de algum ser sobre-humano. Ademais, sentia que
o próprio homem era capaz de se desligar do próprio corpo quando sonhava. Tudo
isso era mistério que intrigava aquele cérebro cheio de curiosidade e que exigia
alguma resposta.
Por que os peixes não se afogam na água em que vivem? Como a cobra se movimenta
com tamanha agilidade sem sequer ter pés? Que poder têm as aves! Elas se movem
pelo ar, enquanto o homem, por muito que se esforce dando um salto, cai com
ímpeto na superfície da terra. Nesse ambiente tão misterioso, não era nenhum
absurdo certos animais serem deificados.
É bem
provável que alguém tenha sugerido a existência de numerosos deuses (seres
celestes supremos) criadores de seres terrestres às suas imagens e semelhanças.
O próprio texto bíblico, quando diz “façamos o homem à nossa imagem e
semelhança” (Gênesis, 1:26), deixa transparecer um resquício dessa pluralidade
de deuses em que cria a humanidade primeva.
O Sol, a Lua,
as estrelas, todos eram deuses que governavam os destinos dos homens. Aos poucos
foi surgindo uma corrente reducionista do vasto politeísmo até chegar ao
monoteísmo hebreu. Mas, as aves, animais e fenômenos da natureza continuam uma
manifestação divina aos olhos humanos, predominando sobre o saber estruturado
pela ciência.
Passados
milênios, estudos científicos, cada vez mais aprimorados, vêm revelando que os
mitos desenvolvidos para explicar o que era inexplicável estão incorporados no
código genético da humanidade, gerando a predisposição do ser a preservar o
pensamento primitivo de que somos obras de um ser superior que comanda os
destinos de todos e de tudo em todos os lugares no universo, ainda que contra os
esclarecimentos atuais. Mesmo provados os mecanismos da demência (antes
possessão demoníaca), dos fenômenos naturais antes tidos como vozes e atos dos
deuses, a natureza dos sonhos (pensamentos subconscientes sentidos como atos e
fatos), o desvelamento do sistema planetário em prova inequívoca dos enganos dos
homens considerados agentes do deus onisciente, etc., o criador que se criou
continua vivo na cabeça da maior parte dahumanidade.
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